Comentário

Deriva securitária<br>e o fim de Schengen

João Pimenta Lopes

A úl­tima sessão ple­nária foi pró­diga na apro­vação de textos, subs­tan­tivos no con­teúdo e no al­cance, que con­so­lidam o ca­minho de apro­fun­da­mento do pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista eu­ropeu.

Desde a apro­vação do CETA – mega tra­tado de livre co­mércio entre a UE e o Ca­nadá que trará graves pre­juízos para países como Por­tugal –, à apro­vação do pa­cote sobre o «Fu­turo da União», que de­senha uma ina­cei­tável fuga em frente pe­rante a pro­funda crise na e da EU, pas­sando pelo pa­cote do «Se­mestre Eu­ropeu» – de­fen­dendo o apro­fun­da­mento da go­ver­nação eco­nó­mica, do mer­cado único, do bran­que­a­mento so­cial deste ins­tru­mento, aper­tando ainda mais o gar­rote aos es­tados-membro – ou ainda a Es­tra­tégia de Avi­ação para a Eu­ropa, um ins­tru­mento ao ser­viço das grandes mul­ti­na­ci­o­nais para a cri­ação de um oli­go­pólio que es­polia os es­tados deste sector es­tra­té­gico. Todos eles, foram apro­vados, sem sur­presa, por PS, PSD e CDS, cu­nhando ainda mais o rumo de perda de so­be­rania de Por­tugal e de sub­missão e cons­tran­gi­mento à UE, tra­tados e po­lí­ticas.

Dois ou­tros do­cu­mentos foram apro­vados, que me­recem des­taque por se tra­tarem de textos le­gis­la­tivos.

A im­plosão de Schengen

Temo-lo afir­mado: a livre cir­cu­lação de pes­soas, um dos pri­mados do mer­cado único, nunca o chegou a ser. Com a apro­vação do re­la­tório «re­forço dos con­trolos nas fron­teiras ex­ternas por con­fronto com as bases de dados per­ti­nentes» po­demos afirmar que se esse ob­jec­tivo al­guma vez existiu, acabou de im­plodir. A al­te­ração le­gis­la­tiva ao Có­digo Schengen, a pre­texto do ale­gado e ins­tru­men­ta­li­zado «com­bate ao ter­ro­rismo», in­troduz con­trolos sis­te­má­ticos obri­ga­tó­rios e con­fron­tação com as bases de dados re­le­vantes, no­me­a­da­mente do Sis­tema de In­for­mação de Schengen – que se pre­tende seja re­for­çado – e da In­terpol, de todos os cru­za­mentos das fron­teiras ex­ternas, por terra, mar ou ar, de toda e qual­quer pessoa que entre ou saia, sejam ci­da­dãos de países ter­ceiros, ci­da­dãos de es­tados-membro da UE ou de pes­soas que gozem do di­reito de livre cir­cu­lação dentro do es­paço Schengen. Con­trolos que in­cluem a ve­ri­fi­cação e re­colha de dados bi­o­mé­tricos, num ar­ti­cu­lado que exige aos EM que tran­sitem os seus sis­temas de iden­ti­fi­cação para do­cu­mentos di­gi­tais de lei­tura óp­tica por um lado, e que as­se­gurem a ins­ta­lação do equi­pa­mento ne­ces­sário para pro­ceder a estas ve­ri­fi­ca­ções, ga­ran­tindo a ne­ces­sária for­mação ao pes­soal, por outro. Está bom de ver, também, que in­te­resses eco­nó­micos se movem por de­trás destas es­tra­té­gias, quando a sua im­ple­men­tação re­pre­sen­tará custos subs­tan­tivos para os EM. À ex­cepção de dois de­pu­tados do PS que vo­taram contra, os de­pu­tados de PS, PSD e CDS vo­taram fa­vo­ra­vel­mente esta pro­posta.

«Luta» contra o «ter­ro­rismo»

O ar­gu­men­tário não é novo. É ne­ces­sário «res­ponder» aos aten­tados em solo eu­ropeu e «dar com­bate» aos cha­mados «com­ba­tentes es­tran­geiros». Do ter­ro­rismo e destes ditos com­ba­tentes, das suas ori­gens e causas, nem uma pa­lavra de en­qua­dra­mento e de res­pon­sa­bi­li­zação da UE no fe­nó­meno. A pro­posta le­gis­la­tiva visa a cri­mi­na­li­zação de «ac­ti­vi­dades re­la­ci­o­nadas com prá­ticas ter­ro­ristas». A au­sência de uma de­fi­nição de «ter­ro­rismo», e o âm­bito lato e pouco en­qua­drado com que as me­didas e pes­soas ju­rí­dicas sus­cep­tí­veis de serem acu­sadas são pro­postas, le­varão à ge­ne­ra­li­zação da cri­mi­na­li­zação por «prá­ticas li­gadas ao ter­ro­rismo», com ques­ti­o­nável cau­sa­li­dade. A sim­ples prá­tica de vi­sitar um web­site, ou de vi­ajar para de­ter­mi­nadas re­giões po­derá cons­ti­tuir base legal para de­tenção e cri­mi­na­li­zação. Os EM pas­sarão a dispor de livre ar­bí­trio para o en­cer­ra­mento de web­sites, sem ne­ces­si­dade de au­to­ri­zação ju­di­cial. Num mo­mento em que as ins­ti­tui­ções da UE tanto falam da pre­tensa «ra­di­ca­li­zação», con­tri­buem para es­ticar a corda da mar­gi­na­li­zação e ex­clusão, acir­rando es­tigmas e sen­ti­mentos de re­pulsa de parte a parte. Todos os de­pu­tados de PS, PSD e CDS vo­taram, la­men­ta­vel­mente, a favor do re­la­tório.

Duas pe­ri­gosas ini­ci­a­tivas le­gis­la­tivas que pros­se­guem a de­riva se­cu­ri­tária da UE, con­so­li­dando uma Eu­ropa For­ta­leza que faz tábua rasa dos mais ba­si­lares di­reitos e li­ber­dades, im­pondo o con­trolo, o re­gisto, a cri­ação de perfis, a cen­sura.




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